MPLA NEM OS MORTOS RESPEITA

Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA, principal partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, acusou os serviços de informações angolanos (do MPLA, entenda-se) de sequestrarem a Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) e admitiu abandonar o órgão.

Adalberto da Costa Júnior falava hoje em conferência de imprensa, após terem sido mostradas na Televisão Pública do MPLA (TPA) supostas ossadas de vítimas de dirigentes do partido fundado por Jonas Savimbi, que classificou como uma “farsa”, “um golpe de teatro” destinado a desviar as atenções do processo de destituição do Presidente da República anunciado pela UNITA e que o MPLA sabe que será a certidão de óbito político de João Lourenço.

Condenando a instrumentalização da TPA pelos serviços de ‘inteligência’ do MPLA, partido do poder em Angola desde 1975, Adalberto da Costa Júnior, acusou o chefe dos serviços de informações (Fernando Miala) de se servir da CIVICOP no âmbito de uma “agenda pessoal” de ascensão política.

Sugeriu, por outro lado, a criação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação, seguindo o exemplo da África do Sul, que investigou crimes cometidos durante o regime do apartheid, de Março de 1960 até Maio de 1994, “sem gabinetes de propaganda” que põem em causa a credibilidade da imprensa pública.

“A exibição pública das ossadas é condenável a todos os títulos, é uma profanação”, criticou, dizendo que, nos últimos dez dias, os angolanos têm sido confrontados com imagens de áreas anteriormente controladas pela UNITA onde foram descobertas supostas ossadas de familiares nomes sonantes da UNITA [alguns generais e Ana Savimbi, uma das mulheres de Jonas Savimbi], no que classificou como um “exercício de maldade” e “propaganda”, em que se ignoram os anónimos “sepultados em valas em todos os bairros e províncias de Angola”.

“Configura das piores ofensas à memória das vítimas sem voz”, disse, solidarizando-se com as famílias citadas e questionando se o Governo pretende também exibir as vítimas dos fuzilamentos públicos de milhares (80 mil) de mortos nos massacres de 27 de Maio de 1977, ordenados pelo assassino e genocida Agostinho Neto, o único herói nacional segundo o MPLA, e de outros massacres do partido que sustenta o Governo.

“Pretendem julgar Jonas Savimbi? Pretendem substituir os tribunais? Pretendem fazer o julgamento do processo político angolano”, questionou, acusando o regime de usar a dor alheia para aproveitamento político.

O líder político sublinhou que a UNITA não quis também verificar as ossadas de dirigentes que lhe foram entregues porque achou que era o momento do virar de página para a reconciliação, apesar de suspeitar que os restos mortais não correspondiam às vítimas, e questionou o facto de a entrega ter sido feita pelo líder do Serviço de Informações Segurança do Estado (Sinse).

Adalberto da Costa Júnior responsabilizou o chefe do Sinse pelo “ódio” transmitido através da televisão pública do MPLA e de ser o actual líder da CIVICOP, substituindo-se ao ministro da Justiça, o coordenador do órgão, que se tem remetido a um “silêncio ensurdecedor” e tem sido desautorizado.

Defendeu ainda que a CIVICOP deve recuperar os objectivos para que foi criada e condicionou a continuidade dos membros da UNITA na comissão a que esta retome o seu espírito de reconciliação e respeite a metodologia aprovada.

Adalberto da Costa Júnior realçou que a UNITA aceitou integrar a CIVICOP no espírito de reconciliação e assumiu as suas responsabilidades face às vítimas dos conflitos, a começar pelo próprio Jonas Savimbi, que foi morto em 22 de Fevereiro de 2002, e continuando noutros dirigentes com “reiterados pedidos de desculpa” até ao momento actual.

“Endereço mais uma vez um sincero pedido de desculpas”, disse, acrescentando que ninguém em Angola pode atirar pedras porque todos perderam familiares e entes queridos.

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA SOBRE A CIVICOP

Vejamos, na íntegra, a intervenção de Adalberto da Costa Júnior: «Convidamos vossas excelências a partilhar a posição da Direcção da UNITA sobre os últimos desenvolvimentos relativos à CIVICOP.

A Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos foi uma iniciativa do Governo de Angola, tendo estabelecido o período do conflito angolano ao intervalo do 11Nov1975 à 04Abril de 2002, dia em que foram assinados os Acordos de Paz e também o pressuposto de que a partir daquele dia, Angola, nosso país, não mais testemunharia a morte violenta de nenhum dos seus filhos em função de causas políticas.

Esta iniciativa foi anunciada em Abril de 2019, numa cerimónia na Assembleia Nacional, onde foram explicados os objectivos de promover a Reconciliação, a Pacificação dos Espíritos, a entrega formal de documentação por parte das instituições do Estado a familiares que tanto esperaram por este acto legal e de justiça.

A intenção de se criar em Angola uma Comissão de Paz e de Reconciliação Nacional, a exemplo da Comissão da Verdade e de Reconciliação criada na Africa do Sul, que debateu publicamente os conflitos, que responsabilizou os autores, exigiu dos mesmos pedidos de desculpas e transmitiu a toda a Nação Sul-Africana e ao mundo, um genuíno processo de Reconciliação e da Verdade.

Uma transmissão em directo, sem propaganda, sem gabinetes de propaganda institucional vinculados à Presidência, da República Sul Africana sem manipulações, com pluralidade e contraditório na imprensa pública, com credibilidade e que por tal, atingiu os relevantes objectivos a que se propôs.

A UNITA propôs imensas vezes a criação em Angola de uma Comissão de Paz e Reconciliação capaz de debater os conflitos, de responsabilizar, de exigir desculpas aos actores dos conflitos, a todos eles, e de perdoar. Infelizmente o governo e o Partido que o sustenta nunca aceitou uma tal Comissão de Verdade e de Reconciliação Nacional.

A CIVICOP surgiu no período pré-eleitoral e motivou algumas apreensões de poder tratar-se de uma iniciativa meramente instrumental e uma oportunidade do lavar as mãos às responsabilidades do MPLA do seu governo, especialmente referentes aos massacres do 27 de Maio, da Sexta-feira sangrenta, do conflito étnico pós eleitoral de 1992, entre tantos outros, que vitimaram dezenas e dezenas de milhares de angolanos, em todo o território nacional, com maior relevância para Luanda, que possui valas comuns em todos os cantos do seu território.

Não há província alguma do nosso país onde não ocorreram fuzilamentos, mortes por asfixia em contentores, vales e montanhas que testemunharam milhares de cidadãos, todos eles com parentes vivos e com memória viva.

Nós acreditamos que as propostas anunciadas na criação da CIVICOP poderiam trazer a Angola a oportunidade de abraçar verdadeira Reconciliação e Paz dos Espíritos e a UNITA nomeou responsáveis que tomaram posse nesta Comissão e participaram de todos os actos a que foram chamados.

O povo angolano está, nos últimos 10 dias, confrontado com imagens divulgadas pela TPA, sobre buscas de sepulturas de angolanos perecidos nos conflitos políticos, em áreas outrora sob administração da UNITA, mas sem o conhecimento prévio das famílias e dos representantes da UNITA na CIVICOP, o que fere a metodologia de trabalho desta instituição, o espírito de reconciliação e as leis que regem o seu funcionamento.

Com o efeito, a propaganda de capitalizar em nomes sonantes vítimas dos conflitos para ofuscar os largos milhares de anónimos sumariamente mortos e que jazem nas valas do Cacuaco, no bairro Chendovava, na Funda, no cemitério do 14, no Camama, para não falarmos de outras valas existentes em todas as províncias do nosso país, configura das piores ofensas à milhares de famílias sem voz para reclamarem os seus entes queridos desaparecidos.

A direcção da UNITA manifesta solidariedade total às famílias das vítimas dos conflitos políticos, cujos nomes foram divulgados nas peças de propaganda hostil difundidas pelos órgãos de comunicação social do governo do MPLA.

Em nome de toda a verdade, muitos questionam se o governo pretende exibir na televisão pública imagens das milhares de valas comuns espalhadas por todo o país, vítimas dos fuzilamentos públicos nos arrepiantes paredões, assim como dos milhares de mortos do 27 de Maio de 1977, Sexta-feira sangrenta de 1993, do genocídio político e tribalista pós-eleitoral de 1992, das mortes que continuarem a ocorrer após o dia da Paz, como as do Monte Sumi, de Cafunfo, dos fuzilamentos públicos nas manifestações pacíficas e tantas outras?

Em relação à escavação de prováveis sepulturas, a UNITA mandatou os seus representantes na CIVICOP para defenderem, com vigor os princípios que elevam a actividade desta comissão, acima das querelas partidárias, para que não se anulem as suas conquistas.

A CIVICOP foi projectada pelo executivo angolano como fórum de consolidação da paz e reconciliação nacional. A grande prioridade da CIVICOP vai para as famílias das vítimas que devem ter a oportunidade de prestar as homenagens apropriadas aos seus entes queridos, tudo no quadro do princípio nobre: abraçar e perdoar.

É nesta perspectiva que a UNITA rejeita instrumentalidades que minam os propósitos da CIVICOP e condena o sequestro da televisão pública pelos serviços de inteligência do regime do MPLA.

A UNITA espera que a CIVICOP trabalhe com transparência e integridade moral. O decreto presidencial no 209/20, de 4 de Agosto, cria a comissão anexa à CIVICOP, com a designação de “Comissão de Averiguação e Certificação de Óbitos das Vítimas dos Conflitos Políticos” e aprova da sua estrutura, organização e funcionamento.

A alínea h) desse regulamento, obriga-a a elaborar os relatórios trimestrais, semestrais e anuais das suas actividades e remetê-los à CIVICOP, repito, à CIVICOP e não à TPA ou qualquer outro órgão de imprensa, ou qualquer Porta Voz.

As sepulturas devem ser preservadas, até terem terminado as operações de busca e identificação, com inteira cooperação das testemunhas relevantes, em que as famílias são parte fundamental. A exibição pública de ossadas, é condenável e, a todos os títulos, é uma profanação.

Os processos técnicos e científicos de busca e identificação devem ser os universalmente válidos.

A UNITA defende, inequivocamente, que a CIVICOP retome o seu lugar neste processo. Exige, para o efeito, que a CIVICOP tenha apenas um coordenador, o ministro da justiça e direitos humanos; apenas um porta- voz, o ministro da justiça e direitos humanos; as decisões devem ser tomadas em reuniões da CIVICOP, devidamente convocadas pelo seu coordenador; os grupos técnicos devem submeter-se à CIVICOP nos termos da legislação prevista e não agir à margem das decisões deste órgão.

O facto deste projecto de localização das ossadas dos dirigentes da UNITA, não ter obedecido a um calendário apropriado, decorrente de reuniões preparatórias, de acordo com os métodos de trabalho aprovados na CIVICOP, indicia que a referida comissão foi sequestrada e está hoje ao serviço de um gabinete cujos objectivos não vão de encontro aos definidos na sua criação, de privilegiar a reconciliação, abraçar e perdoar.

Regista-se um silêncio ensurdecedor na CIVICOP. Vive-se um golpe de teatro, o coordenador foi substituído pelo chefe dos serviços de inteligência, que usa, abusivamente, o nome da CIVICOP. Urge repor a legalidade, devolver ao Ministro da Justiça as suas responsabilidades de Coordenador da CIVICOP.

Para sustentar a nossa visão da CIVICOP, apresentamos a seguir algumas decisões e princípios contidos nos documentos da CIVICOP:

Despacho presidencial no 73/19 de 16 de Maio; Decreto presidencial no 209/20, de 4 de Agosto; Lei no 23/20, de 10 de Julho;

A cidade do memorial deve ser Luanda, por ser a mais recomendável em termos de afluência de visitantes (acta da 6ª reunião da CIVICOP de 06/09/2019). Todos os membros da CIVICOP têm de respeitar escrupulosamente esta decisão.

“O objectivo da comissão é o perdão, a paz das almas e afastar das mentes o estigma dos conflitos, promover a irmandade entre os cidadãos angolanos, explicando que a divisa da campanha é abraçar e perdoar, estando toda a sociedade envolvida, incluindo as igrejas.” Citamos o então ministro da justiça e direitos humanos, Dr. Francisco Queiróz, a 25 de Setembro de 2019;

A posição dos órgãos do Estado deve ser de gestão prudente dos dois lados das vítimas do processo, procurando realizar a reconciliação pela integração política e pelo combate às tendências de estigmatização dos agentes activos de um e do outro lado do processo. (acta da 8ª reunião do dia 28 de Fevereiro de 2020).

Não é o que temos assistido. Quem mandatou este desvio? Foi o Presidente da República? Esta é uma iniciativa do Chefe do SINSE? Pretendem julgar Jonas Savimbi? Querem julgar os pais da Nação? Acham-se capazes de julgar Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi? Querem transformar-se em juízes do processo histórico?

A continuidade destes desvios ao espírito de Reconciliação e de Paz atentam a imagem das nossas instituições, grandemente afectada quando familiares das vítimas do 27 de Maio divulgaram em conferência de imprensa e em carta enviada ao Presidente da República que as ossadas recebidas e sujeitas à verificação não correspondiam aos seus familiares!

A UNITA condiciona a sua participação na CIVICOP ao retomar dos propósitos da sua criação e ao reabraçar da metodologia aprovada para o seu funcionamento. Paz e reconciliação.

Nunca é demais dizer que a UNITA assumiu as suas responsabilidades perante a história, na XVI Conferência Anual do Partido, em Abril de 2001, o Presidente Fundador da UNITA, Dr. Jonas Malheiro Savimbi, pediu desculpas públicas e perdão por todos os erros, que constituem o passivo da nossa organização política, consubstanciados, entre outros, pelo desaparecimento físico de todas as vítimas do conflito nas áreas da responsabilização da UNITA.

Este espírito de assunção de responsabilidades continuou mesmo após o heróico falecimento do Presidente Fundador, Dr. Jonas Malheiro Savimbi. O General Lukamba Paulo “Gato”, nas vestes de Coordenador da Comissão de Gestão da UNITA, o Mais-Velho Isaías Henriques Ngola Samakuva enquanto Presidente da UNITA, e o actual Presidente, que é a pessoa que vos fala, reiteradas vezes endereçaram ao Povo Angolano pedidos de desculpas por tudo quanto de mal sucedeu ao longo do percurso de luta e resistência da UNITA para a conquista da Democracia, Liberdade em nome Paz duradoira em Angola.

Hoje, aqui e agora, em nome da UNITA, venho humildemente dirigir, mais uma vez, às vitimas dos conflitos, ao heróico povo angolano, a Deus, um pedido sincero de desculpas pela nossa parte.

Nesta conformidade, a UNITA reitera a sua posição, da criação de uma comissão da verdade e reconciliação nacional, para que os angolanos tenham a coragem de abordar, com responsabilidade partilhada, o seu passivo enquanto irmãos da mesma pátria. Tudo para que se possa partilhar visões condizentes à projecção de uma Angola capaz de criar condições políticas, económicas e sociais para assegurar o bem-estar material e espiritual dos cidadãos e o desenvolvimento do País.

Afirmamos, por último, que nenhum angolano tem o direito de usar a dor alheia e o luto de famílias para aproveitamento e sobrevivência política.»

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